terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

FERNANDO PESSOA


LIBERDADE


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flôres, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa – 1935

(Nota de Roogle – D. Sebastião foi o Rei Português que morreu nas cruzadas na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, então com 24 anos. Como o seu corpo não foi encontrado, sempre se esperava que retornasse).

2 comentários:

  1. Hoje mais do que nunca estou precisando dessa liberdade "pessoniana", de descobrir nas coisas simples, ou no "nada", meu prazer...bjs

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  2. Nada como a liberdade! De ser, de estar, de pensar...

    (Bom lembrar que O Poeta também sente peguiça como se fosse um comum mortal)

    Parabéns pelo blog!

    Bj

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